quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A Oração da Criança

Pedro, uma criança de 8 anos, caminhava em uma rua deserta. Eram aproximadamente 11 horas da noite e caía uma leve garoa. Pedro era um menino de rua, não tinha lar, família. Tudo que tinha era trapos sujos e rasgados sobre seu corpo esquelético.
Ao passar perto de uma casa que ainda tinha luzes acessas, Pedro ouviu vozes que vinham lá de dentro. Curioso, se aproximou da vidraça de uma janela lateral, pra ouvir o que diziam aquelas vozes. Com passos lentos nos quais tentava retirar ao máximo seu peso, pra evitar barulho, ele se aproximou da janela e tentou não só ouvir, mas ver o que estava se passando.
Pedro viu alguns jovens, que oravam agradecendo a Deus pelas bênçãos recebidas. Pedro não entendia muito sobre aquilo. Mas ele lembrara que algumas pessoas já o haviam dito que devemos agradecer a Deus por tudo que temos. Que não devemos reclamar, que temos aquilo que Deus acha que somos merecedores. E isso ele já tinha ouvido algumas vezes. Como vivia nas ruas, onde a fome, o frio e a solidão eram seus amigos, não obstante, pessoas que também tinham uma vida como a dele, buscavam conforto e alento na fé e na proteção de Deus.

Pedro, com olhar invejoso, viu que aqueles jovens que demonstravam ter uma vida confortável. Durante a oração, eles agradeciam pelo alimento, pelo lar, pela família, pelos amigos, pela saúde e por muitas outros presentes de Deus. E admitiram que sem deus, nada daquilo teriam. Que sem deus, não eram nada, não tinham um verdadeiro amigo e pai.

Pedro pensou em orar também. Mas ficou com medo que o ouvissem e pensassem ser um ladrão, como muitas vezes pensavam quando ele se aproximava pra pedir algum trocado pra comer. Ele também pensou: mas eu não tenho quase nada disso do que eles estão agradecendo! Foi quando se lembrou que devemos agradecer a Deus por tudo que temos, e nunca reclamar, apenas confiar e esperar em Deus.

Ele se afastou da janela e foi procurar um lugar quente pra dormir, pois era uma noite fria e a garoa estava ficando mais intensa. Não distante dali, encontrou uma construção, que parecia servir como hospedagem por aquela noite. Sentado num canto, ficou pensando na oração dos jovens. Também não saía da cabeça o fato daqueles jovens terem tudo que ele queria ter, mas não tem.

Subitamente, mas ainda tímido, Pedro fechou os olhos e começou a orar baixinho. Enquanto isso, perto dali, os jovens se despediam e íam embora pra suas casas. Eram sete jovens, apenas um morava naquela casa. Sendo assim, os outros seis tomaram rumos diferentes. Dos seis que saíram da casa, quatro se dirigiam pra suas casa, e a construção onde Pedro estava, era caminho.

Quando os jovens íam passando perto da construção, ouviram uma voz que vinha lá de dentro. No começo ficaram assustados, pensavam ser alguém de má índole, que poderia os assaltar ou machucá-los. Todavia, perceberam ser a voz de uma criança. Não quiseram se aproximar ao ponto de ver quem era, mas se aproximaram ao ponto de ouvir o que diziam aquelas palavras.
Então, ouviram Pedro orando. Em sua oração, ele dizia:

Senhor deus, meu pai e meu criador.
Te agradeço por mais um dia de vida.
Agradeço pela fome,
Por não ter almoçado ou jantado hoje,
Pelo jornal, sacos plásticos ou qualquer outra coisa que eu uso pra lutar contra o frio,
Agradeço pela ponte, pelo beco, pela calçada ou pela construção que são meus lares,
Por ser órfão, por não ter verdadeiros amigos,
Por ser negro, alvo de racismo em formas de piadas ou agressões,
Pela porta na cara,
Pelo nome de vagabundo quando peço,
Pelo sono interrompido por bêbados,
Por não ter escola, por ser analfabeto,
Pelo medo que as pessoas tem de mim,
Pela cara de nojo que muitos me olham quando me aproximo de seus filhos limpos e bem vestidos,
Pelos objetos que encontro no lixo e uso como brinquedos,
Pelo resto de comida que jogam fora,
Pelos chutes e ponta pés, pelo estupro,
Pela saúde frágil,
Por quando estou doente e não há quem cuide de mim,
Pelos sonhos que não posso realizar,
Pelo presente que não ganhei em meu aniversário,
Por Papai Noel nunca lembrar de mim no Natal,
Pelo Dia das Crianças que não passei no parque,
Deus, eu te agradeço por tudo.
Amém.

Os quatro jovens ouvindo isso, se olharam entre si, e foram embora pertubados.

(Carlos Wilker)

Um comentário:

  1. “A maior prisão que podemos ter na vida é aquela quando a gente descobre que estamos sendo não aquilo que somos, mas o que o outro gostaria que fôssemos. Geralmente quando a gente começa a viver muito em torno do que o outro gostaria que a gente fosse, é que a gente tá muito mais preocupado com o que o outro acha sobre nós, do que necessariamente nós sabemos sobre nós mesmos

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