domingo, 11 de março de 2012

A semente de Deus

Um dos argumentos usados em favor da existência de Deus é a alegação que todo ser humano tem em si uma inclinação ao divino, uma semente, uma tendência natural em acreditar no sobrenatural. Segundo os que usam esse argumento, a melhor explicação pra isso é que Deus existe, e sendo ele nosso criador, manifestamos isso. Não vou aqui discutir se todos nós temos ou não essa tendência. Talvez isso exija um certo conhecimento em biologia, neurofisiologia ou psicologia. E esse conhecimento eu não tenho. Portanto, aceitarei por hora que nós todos carregamos essa inclinação ao divino. Mas mostrarei que ela não implica que determinada religião está certa. Como nos interessa apenas o cristianismo, mostrarei que mesmo tendo essa inclinação, o cristianismo não se torna mais plausível e, que na verdade, gera sérios problemas ao mesmo.

Uma coisa que não precisaríamos de muito raciocínio pra concluir, é que quando algo diz que cada ser humano tem em si uma inclinação ao divino, ela responsabiliza seu deus por isso. Por exemplo: quando um cristão usa esse argumento, ele defende que o deus da bíblia foi quem colocou isso em nós. Posso soar repetitivo e antiquado, mas aqui vale uma pergunta muito feita em debates entre ateus e religiosos: qual deus?

Quando um cristão diz que Deus colocou isso em nós, ele está na verdade dizendo que foi seu deus, o deus da bíblia que está por trás disso. E aqui começam a surgir perguntas, pra não dizermos problemas. Tudo bem, vamos acreditar que Jeová, o deus bíblico, plantou em cada ser humano essa semente da crença no sobrenatural. Se isso é verdade, por que há tantas pessoas que rejeitam esse mesmo deus? Por que há tantas pessoas que tem uma concepção completamente diferente de Deus? Por exemplo: os panteístas, os deístas e os politeístas tem uma visão diferente sobre o termo “Deus”. Mas se todos eles carregam em si a mesma semente, por que isso acontece? Em toda história da humanidade, isso existiu: religiões e crenças totalmente ou parcialmente opostas.

Os antigos egípcios divinizavam o sol e os animais, os antigos romanos eram politeístas. Se eles tinham em si a mesma inclinação a Deus (no caso, o deus da bíblia), por que ela se manifestou e se manifesta de forma tão diferente e tão contraditória? Inclusive, existem muitos que adoram Satanás. Como conciliar o deus dos cristãos com crenças como essas? Mas se tívessemos mesmo em nós uma mesma sentelha, não esperaríamos mais semelhanças e menos diferenças? Não estou sugerindo exatamente que todos pensassem iguais. Mas que houvesse pontos em comuns, como pensar que Deus é um ser pessoal, único, que criou tudo e todos. O deísmo não concorda que Deus é um ser pessoal que se relaciona conosco. O politeísmo não concordaria que há um só deus e o resto são farsas.

Por que há tantos descrentes? Se eu tenho em mim uma semente que o deus bíblico plantou em mim, por que sou ateu? Aliás, por que sempre existiu pessoas que tiveram descrédito em relação a deuses? Existiram e existem muitos ateus. Todos eles tinham a mesma inclinação ao divino? Vamos supor que sim. Então, devemos pensar que todos eles mataram essa semente? Que todos eles lutaram contra si mesmo? Afinal, se essa semente naturalmente faz parte de nós, estaríamos lutando contra nós mesmo. Penso ser uma hipótese infundada pensar que todos os ateus fizeram isso. Não podemos ignorar o fato que muitas pessoas nunca deram a mínima pra questões ligadas a religião ou divindades. Muitos nascem e crescem sem ir a uma igreja, sem ler livros sagrados ou refletir seriamente sobre essas questões.

E todos os que não são cristãos atualmente? Milhões de hindus, budistas e muçulmanos, por exemplo. Todos eles estão lutando contra si mesmo? Se estão renegando ou matando a semente que o deus da bíblia plantou neles, provavelmente são todos infelizes e amargurados. Será que isso acontece? Seria ridículo demais supor isso.

Mediante a bíblia, só será salvo aquele que aceitar Jesus como seu senhor e salvador. Ou seja, os demais serão excluídos dos gozos celestiais. Talvez alguém me retruque e afirme que não é bem assim, que quem não é cristão pode ser salvo. Mas isso parece sem sentido, já que muitas religiões nem mesmo levam Jesus em consideração, e algumas pensam que Jesus nem mesmo existiu. Seguindo essa linha de raciocínio, terminaremos pensando que até mesmo os ateus e satanistas podem herdar o céu que a bíblia fala.

Aceitar que somos propensos ao divino e pensarmos que isso é algo que vem do deus da bíblia, gera contradições e situações críticas. Até mesmo entre os cristãos há intensos debates e discordâncias sobre pontos fudamentais, como sobre a pessoa de Jesus. Entre os cristãos existem inúmeras interpretações sobre a palavra do seu deus, a bíblia. Não deveríamos esperar mais unidade? Mas não é o que acontece. O que há são críticas e acusações entre denominações. Alguns falam que isso é normal e que não influencia na salvação. Discordo. Lembre que essas discordância são sobre “o que a palavra de Deus diz”. Exemplo: para alguns, Jesus é Deus, pra outros não é. Veja que isso não é uma questão trivial. Estamos falando sobre quem é Deus.

Tantas religiões, tantas concepções, tantos deuses, tantos descrentes, tantos livros sagrados, tantas discordâncias teológicas! Isso é muito estranho quando aceitamos que cada ser humano traz em si a mesma semente que o mesmo deus plantou. Por que ela germina e gera árvores que se consomem entre si?


(Carlos Wilker)

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