segunda-feira, 23 de maio de 2011

A Teoria da Evolução é apenas uma teoria?

Criacionismo

É recorrente a alegação dos que “descrêem” na teoria da Evolução, de que ela é “apenas uma teoria”. Isso em geral demonstra que os princípios básicos da ciência não estão claros na mente de quem apresenta essa restrição.
Como é uma alegação bastante comum, seria interessante analisá-la em seus dois pontos principais: o que é uma teoria do ponto de vista científico e qual o efeito, em termos de confiabilidade, que a teoria tem sobre o conhecimento em geral.  

APENAS UMA TEORIA

Usamos o termo “teoria” na vida diária, como sinônimo de “palpite”. Minha teoria é que o mocinho vai ficar com a mocinha no final da novela; minha teoria é que o culpado é o mordomo (ou o deputado, já que estamos no Brasil). Esse uso do termo “teoria” é legítimo, em se tratando de linguagem informal, leiga. Mas em termos científicos, o nome que se dá a um palpite é “hipótese”.
Minha hipótese é que matéria atrai matéria na razão direta da massa e no inverso do quadrado da distância. Minha hipótese é que os continentes se movem de alguma forma, o que provoca terremotos e separações que criam oceanos. Ambas as alegações atualmente são teorias, mas começaram como hipóteses científicas.
Embora se acuse a ciência e os cientistas de terem a “mente fechada”, é no ambiente das hipóteses que percebemos que isso simplesmente não é verdade. Hipoteticamente, cientistas podem criar quase tudo e seguir a intuição, rasgos de imaginação, criatividade louca e descontrolada, etc. (o fazem constantemente). Mas, depois, é necessário passar para o próximo passo: comprovar a hipótese e transformá-la em “teoria científica”.

Muitos dos testes a que tem de sobreviver uma teoria são criados para demonstrar que ela está errada.
Por melhor que pareça a hipótese original como explicação; por mais adequada ou mais “bela” que seja, ela não passará de uma hipótese enquanto não for posta à prova. Isso é feito através de uma das mais rigorosas ferramentas intelectuais já criadas pelo ser humano: o método científico. E ele é restritivo, cuidadoso, extremamente detalhista e exigente. Apenas se passar por todo esse rigor, uma evidência favorável a uma hipótese poderá ser aceita.
Se uma hipótese acumular muitas evidências, dezenas, centenas, às vezes milhares; se sobreviver por longo tempo sendo atacada de todas as formas; se o conjunto dessas evidências formar um todo sólido; só então a hipótese passará a ser chamada de “teoria”. Uma teoria científica.
Muitos dos testes a que tem de sobreviver uma teoria são criados para demonstrar que ela está errada. Sim, opositores de uma hipótese criam testes nos quais, dependendo do resultado, a hipótese será  descartada. É parte do processo ser atacada dessa forma, seja uma hipótese proposta por um leigo ou por um pseudocientista; seja uma hipótese proposta por um ganhador do Premio Nobel ou um cientista de renome. Quando defensores de “teorias” sem sentido ou pseudocientíficas reclamam do “excesso de rigor” contra suas alegações, parecem pensar que é só contra elas que o rigor é exercido. Estão, claro, enganados. O rigor do método é aplicado a todo conhecimento, bem antes que possa ser aceito como confiável, ou seja, considerado científico.
Boa parte das atuais teorias científicas tradicionais foram, em seu início, espantosas e difíceis de aceitar. A Teoria da Deriva dos Continentes, a Microbiologia, a Relatividade, entre outras, tiveram de percorrer o mesmo sofrido e doloroso percurso de suportar as provas, experimentos e verificação de previsões, antes de serem aceitas. Passaram por todo um calvário de recusas, ataques e experimentos “para provar que são tolices”. A diferença é que sobreviveram a tudo e acabaram aceitas pelo volume de provas favoráveis.

Teorias científicas não são algo para se “acreditar”.
Então, quando algo é uma “teoria científica”, é bem mais que um palpite, uma explicação interessante, uma “teoria” no sentido leigo do termo. É uma explicação solidamente baseada em um conjunto de dados, experimentos, replicação independente, previsões bem sucedidas, etc., que, para ser refutada, exigiria outro enorme conjunto de dados e experimentos, não apenas um vago “não acredito nisso”.
Mesmo porque, teorias científicas não são algo para se “acreditar”, são conclusões sólidas que devem ser aceitas se não puderem ser refutadas.
Um ponto que precisa ser mencionado, mas que daria por si só outro artigo enorme, é a questão das correções que teorias sofrem de tempos em tempos. Um texto que deve ser consultado é “A Relatividade do Errado”, de Isaac Asimov, sobre como teorias se ajustam para melhorar e refinar; não para serem substituídas completamente a cada minuto.

APENAS UMA TEORIA CONFIÁVEL

O segundo ponto importante, agora que já se compreende melhor o que o termo “teoria” representa em ciência, é qual o efeito sobre a confiabilidade de uma teoria para as pessoas e para a ciência.
Boa parte do conjunto de conhecimentos científicos que se agrupa em uma teoria pode ser usado de forma prática, tecnológica. A utilidade desses desdobramentos fundamenta-se no fato de que a maior parte do conhecimento é real, válido. Entre algo que é alegado, mas não é científico; e algo que é alegado, mas é científico (no sentido restrito de ter sobrevivido ao rigor do método), a confiabilidade do segundo é superior. Isso deveria bastar para se compreender que as teorias científicas não são “apenas teorias”.

Toda teoria científica tem de ser o mais próximo possível da realidade, ou os sistemas que dela dependem não seriam possíveis.
A teoria do eletromagnetismo é confiável e as equações de Maxwell, parte dessa teoria, são confiáveis, reais, válidas. Caso contrário, as TVs, rádios e computadores que usamos não funcionariam. As leis do movimento e da teoria da gravidade devem ser reais ou o mais próximo disso, ou nem aviões e carros funcionariam. Muito menos, ainda, os satélites geoestacionários, que permitem a comunicação global por telefones celulares e redes mundiais de computadores.
E em se tratando de satélites e GPS’s, a Teoria da Relatividade – ou a maior parte dela – deve ser real, verdadeira, ou esses satélites não funcionariam corretamente (relógios de satélites precisam ser ajustados de acordo com as previsões da teoria da relatividade; caso contrário os GPS’s cometeriam erros gigantescos de posicionamento).
Deixando de lado, por um instante, a Teoria da Evolução, todo conhecimento, toda teoria científica, ou seja, aquela que passou pelo rigor do método científico, tem de ser o mais próximo possível da realidade, tem de ser o mais verdadeira possível em sua maior parte, ou os sistemas que dela dependem não seriam possíveis.
Não é possível assentar-se à frente de um computador e escrever para um fórum que “não acredito nas equações de Maxwell e acho o eletromagnetismo uma furada”. Seria, claro, um tremendo contra-senso - mesmo para o mais ignorante sobre ciência e teorias científicas - usar o fruto da teoria eletromagnética para alegar que “não se acredita nela”. Seria ainda mais irracional se esse usuário de computadores apresentasse uma “teoria alternativa”, sem nenhuma comprovação e sem que tenha passado pelo rigor do método, para propor que as TVs são mecanismos que capturam duendes extra-dimensionais telepatas, que emitem as imagens para a tela.

É assim porque deus quis (ou o design inteligente de quem não se diz o nome ).
Ninguém em sã consciência trocaria a “explicação” científica, que sobreviveu a todo rigor do método e possui desdobramentos evidentes à nossa volta – e a partir da qual boa parte da tecnologia é construída – por uma teoria alternativa completamente sem evidências.
Voltando à evolução, parece que esse é exatamente o caso dos que negam a teoria e se apegam a uma teoria mística, confortável e confortante, mas totalmente sem evidências. Alegam que é assim porque “Deus quis” (ou o design inteligente de quem não se diz o nome).
Nenhum biólogo, nenhum cientista das diversas áreas que produzem evidências da evolução nega a evolução como fato (a ciência pode parecer formada por áreas distintas, mas todas elas se relacionam; são uma só, na verdade). Claro que, como em todo campo de estudo científico, existem discordâncias pontuais sobre alguns problemas, como por exemplo, se o mecanismo principal da evolução é a seleção natural, a seleção natural mais seleção sexual, o equilíbrio pontuado, o gradualismo ….
Mas a evolução a partir de um ancestral em comum não se discute. Não porque seja “proibido”, uma espécie de “dogma científico”. Simplesmente não existem evidências contrárias que justifiquem uma discussão e, por outro lado, existem milhares de evidências a suportar a evolução. Os mecanismos envolvidos ainda são estudados, embora uma boa parte deles seja bem conhecida.

Recusar-se a “acreditar” na evolução é o mesmo que se recusar a “acreditar” na gravitação universal
Evidência genética no DNA, citada em um trecho do livro de Dawkins, “O Rio que Saia do Éden”:
“O “parágrafo” nos nossos genes que descreve a proteína chamada citocromo c tem 339 letras. Doze trocas de letras separam o citocromo c humano do citocromo c dos cavalos, nossos primos muito distantes. Apenas uma troca de letra no citocromo c separa os humanos dos macacos (nossos primos bastante próximos), uma troca de letra separa os cavalos dos jumentos (seus primos muito próximos) e três trocas de letras separam os cavalos dos porcos (seus primos um tanto mais distantes). Quarenta e cinco trocas de letra separam os humanos do levedo e o mesmo número separa os porcos do levedo. Não é surpresa que estes números sejam os mesmos, pois, à medida que subimos o rio que conduz aos humanos, ele reúne-se ao rio que conduz aos porcos muito antes de o rio comum a humanos e porcos se juntar ao rio que conduz ao levedo. “
Mas o mais importante é que, como a Teoria do Eletromagnetismo, a Teoria da Gravitação, a Teoria da Relatividade, a Teoria da Deriva dos Continentes e a Teoria Científica Sobre Qualquer Coisa, também a Teoria da Evolução passou pelo rigor extremo do método, passou por experimentos, por coleta de dados (só os anos de pesquisa de Darwin são uma vida, seus dados continuam sendo estudados e ainda se descobre informação importante neles), por previsões bem sucedidas (sem conhecer o trabalho de Mendel, Darwin supôs que um sistema de informação não analógico deveria estar no cerne da hereditariedade, trabalho feito por Watson e Crick com o DNA, décadas depois) e por uma enorme gama de confirmações em diferentes áreas, como a geologia, paleontologia, biologia, química, química molecular, física e até astrofísica (o tempo de vida do universo e do planeta são dados importantes para a evolução).
Recusar-se a “acreditar” na evolução, apenas com a “sensação de descrença” (ah, eu não posso acreditar nisso), é o mesmo que recusar-se a “acreditar” no eletromagnetismo, na gravitação universal, na microbiologia, etc. É o mesmo que recusar todo avanço que essas teorias trouxeram para nossa espécie. É ser cego ao fato de que o método científico, rigoroso e extremo, produziu maravilhas, como a expectativa de vida de mais de 80 anos (no passado, 30 ou menos), satélites de comunicação e toda sorte de conhecimento e tecnologia que sustenta nossa civilização.

Nada impede que se demonstre que a teoria está incorreta. Mas, para isso, é necessário mais que descrença e fé.
É um tipo de cegueira seletiva, que leva uma pessoa a usar computadores, ir ao médico, andar de avião, falar ao celular e, ao mesmo tempo, ignorar que cada uma dessas coisas é fruto do rigor e da confiabilidade dos conhecimentos produzidos de forma científica.
Se o método científico é “falho” ao atestar a validade da Teoria da Evolução, então ele deve ser falho em todas as outras teorias, e o celular e a TV não deveriam funcionar. Se ele é valido para testar essas teorias – teorias para as quais o celular e a TV são evidências – então ele também é válido para testar a Teoria da Evolução. E ela passou, com mérito, pelo rigor do método em dezenas de áreas e, principalmente, nos experimentos que foram criados para provar que estava errada.

UMA TEORIA CONFIÁVEL E CIENTÍFICA

Compreender o método científico, o rigor e o processo de validação é mais importante para compreender a realidade da evolução - compreender que ela é um fato - do que compreender a própria teoria. Eu não sei exatamente o que são as equações de Maxwell, nem como analisá-las para saber se são reais. Mas eu uso os frutos desse conhecimento e percebo que não poderia ser assim se o eletromagnetismo não fosse, em sua maior parte, da forma como a ciência afirma.
O mesmo deve ser compreendido quanto à Teoria da Evolução. Mesmo que não se entenda como realmente pode ser real, é necessário perceber que nossa mais poderosa ferramenta de validação, o método científico, foi aplicado por mais de 150 anos e ela sobreviveu e se ampliou durante todo esse tempo. Compreender isso significa aceitar que não se pode “desacreditar” na evolução por ser “apenas uma teoria”.
Nada impede, como em qualquer área da ciência, que se demonstre que a teoria está incorreta. Mas, para tanto, é necessário mais que descrença e fé. É preciso um volume de dados, provas, evidências e explicações tão grande ou maior do que aquele que sustenta a teoria. E isso é algo que desespera os que são contra a evolução, pois simplesmente não existe nada disso. Existe, sim, um vago desconforto com a realidade: somos animais como quaisquer outros (talvez um pouco mais arrogantes e pretensiosos).

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Homero Ottoni, programador de computadores. Cursou dois anos de Medicina, quatro anos de Direito e atualmente está na faculdade de Computação.

Fonte: Bule Voador

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