segunda-feira, 23 de maio de 2011

Se a evolução é real, por que nenhum chimpanzé evoluiu até ser como nós?

Se a evolução é real, por que nenhum chimpanzé evoluiu até ser como nós?

Série - Evolução


Autor: Homero Ottoni Jr (*)

Chipanzé
Muitas perguntas/desafio de descrentes da evolução apresentam claras lacunas de conhecimento em relação ao que é e ao que não é a evolução. A pergunta/desafio acima, título deste artigo, é uma das mais repetidas, encontrada em quase todo artigo sobre a evolução, nos “comentários” dos leitores.
Esse engano sobre chimpanzés e seres humanos poderia ser desfeito com alguma leitura sobre o assunto e vou tentar resumir aqui a resposta a esta pergunta/desafio.
Primeiro, para que símios como o chimpanzé ou gorila evoluíssem para uma nova espécie, seriam necessários os mesmos milhões de anos que foram necessários para nós. O que significa que nenhum primata poderia “evoluir” para outra espécie. Espécies evoluem, não indivíduos. Nenhum chimpanzé poderia “evoluir” até um ser humano, como nenhuma zebra poderia “evoluir” até um cavalo.
A pergunta/desafio, portanto, está errada. O que ela deveria perguntar (se é que deveria perguntar alguma coisa) é porque os ancestrais destes primatas, como os do chimpanzé, não evoluíram em nossa direção.
A resposta é: porque não há direção.

“Poderiam ser Neandertais a perguntar o que aconteceu com os Homo sapiens que desapareceram no passado”
Os ancestrais dos chimpanzés não “queriam” ser chimpanzés ou Homo sapiens, eles apenas responderam às pressões do meio ambiente. Em nosso caso, as pressões levaram a cérebros grandes e ao andar ereto, enquanto a pressão do ambiente dos chimpanzés os levou a ser o que são hoje.
Mas isso não é tudo. Outros símios, de outras espécies, evoluíram de forma parecida, inclusive com desenvolvimento de algumas características como as do Homo sapiens: inteligência, caminhar ereto, sociedades, etc. Neandertais, por exemplo, existiram ao mesmo tempo em que Homo sapiens; Australopitecus Robustos, ao mesmo tempo em que Australopitecus Afarensis; e algumas outras espécies que conhecemos através dos fósseis.
Ou seja, não somos os únicos. Não fosse o resultado contingente da evolução, poderiam ser Neandertais a perguntar o que aconteceu com os Homo sapiens que desapareceram no passado.
A resposta ao questionamento da pergunta/desafio pode ser vista em diversas famílias de animais. Existem golfinhos, baleias, orcas, belugas, narvais, etc. Todos descendentes de um ancestral em comum, que voltou da terra para a água.
Porque todos eles não se tornaram baleias? Ou golfinhos? Porque as pressões do ambiente variam, a disputa pela vida é intensa e rigorosa. Qualquer grupo que descubra e se adapte a outro ambiente poderá ter alguma vantagem e, ao fim, transformar-se em outra espécie. É por isso que os golfinhos são pequenos e se alimentam de cardumes de superfície, enquanto cachalotes tornaram-se gigantes e se alimentam de lulas igualmente gigantes, a profundidades abissais (que nenhum outro mamífero pode atingir).

“A evolução é cega e contingente”
Mesmo que as pressões ambientais se modificassem e pressionassem chimpanzés a evoluir em nossa direção (dando vantagens a cérebros maiores e ao andar ereto, por exemplo), seriam necessários milhões de anos até que surgisse uma nova espécie. E, ainda assim, ela não seria “humana” e nem mesmo poderíamos saber em que se transformariam. Não há direção.
A pergunta/desafio parece cometer o “engano” recorrente de considerar a evolução como um progresso, onde seres humanos (ou a inteligência) são o ápice, o objetivo a ser atingido. Isso acontece até mesmo com pessoas que acreditam na evolução e no antepassado em comum, mas torna-se fundamental para aqueles que defendem uma divindade maluca que cria tudo, do nada.
Entretanto, a evolução é cega e contingente. Ela segue as pressões do ambiente, pressões não intencionais e variáveis. Hoje mais quente, amanhã mais frio. Hoje um continente único, amanhã placas tectônicas que se separam.
Portanto, não há nenhum motivo para que símios evoluam em nossa direção, ou para que se tornem humanos. Chimpanzés são tão evoluídos quanto os seres humanos, pois existem há tanto tempo quanto, e evoluíram de ancestrais em comum.
Na verdade, todos os seres vivos são tão evoluídos quanto nós. Um pássaro, um réptil, uma bactéria ou um gorila evoluíram tanto quanto nós e se adaptaram tão bem ao ambiente quanto nós.
Repetindo, para responder claramente a pergunta/desafio, não há nenhuma razão para esperar que chimpanzés ou qualquer outro símio evolua ou tenha evoluído como nós, da mesma forma como não há nenhuma razão, biológica ou não, para esperar que a zebra “evolua” para se tornar um cavalo, ou um cavalo “evolua” para se tornar uma zebra. Ambos evoluíram para onde as pressões de seu ambiente os levaram, e apenas isso.

“Andar ereto foi a primeira mudança importante, que apresentava vantagens na savana”
Quem apresenta essa pergunta/desafio são pessoas que, em geral, consideram os seres humanos “melhores” do que os chimpanzés. Somos, na visão delas, “especiais”. Somos criaturas divinas, filhas de uma divindade superpoderosa. Por isso, acreditam que os chipanzés, caso pudessem “escolher”, optariam, sem vacilar, por se tornarem humanos. Consideram que somos mais evoluídos do que eles e – apelando ao conceito errôneo de “progresso” – que a evolução segue um objetivo supremo: formar seres inteligentes, “sapiens” e, de resto, com polegares opositores que lhes permitam segurar e folhear a Bíblia.
Nossos ancestrais, e os ancestrais de algumas outras espécies que já não existem (a competição na natureza é violenta, e dificilmente um mesmo nicho ecológico suporta duas espécies competindo por muito tempo) surgiram na mudança violenta do clima, que quase extinguiu as florestas – habitats de símios como o chimpanzé, gorilas e orangotangos – e criou as extensas savanas africanas.
Nesse novo ambiente, nossos antepassados tiveram de adaptar características já pré-existentes (exo-adaptação, um trunfo da evolução). Andar ereto foi a primeira mudança importante, que apresentava vantagens na savana: o calor e o Sol tinham menor área de atuação, a visão de predadores melhorou, o caminhar permitia que se atingisse pontos mais distantes, etc.
Pensemos no cenário: o que antes era uma África totalmente tomada de florestas tropicais, agora possui bosques e pequenas florestas esparsas, separadas por longos trechos de savana. O tempo passa, as savanas crescem e as florestas diminuem. Nossos antepassados, que antes viviam confortavelmente nas florestas gigantescas, agora têm que atravessar as savanas para encontrar alimento.

“O Homo Sapiens é um caminhante poderoso, um corredor elegante e rápido”
Qualquer individuo que tenha mudanças em seu biótipo, por mínimas que sejam, mas que dêem a ele alguma vantagem nessa travessia, terá melhores chances de sucesso em sua vida e deixará mais descendentes, para os quais transmitirá essa vantagem. Com o passar do tempo (muito tempo, centenas de milhares de anos), teremos indivíduos que andam em pé e transitam mais na savana do que na floresta (qualquer indivíduo que tenha conseguido encontrar alimento na savana, durante as longas travessias, terá mais vantagens adaptativas).
Enquanto isso, ancestrais de outros grupos, vivendo em áreas onde as florestas não foram tão afetadas e, portanto, onde as savanas não vingaram, evoluíram em outra direção, adaptando-se cada vez mais às florestas.
Um adendo sobre alguns mitos sobre nossa espécie. O senso comum considera-nos seres frágeis, fracos e lentos, devido à natural diminuição das exigências de sobrevivência em nossa civilização tecnológica. Nada mais enganoso. Nossos ancestrais – e mesmo nós, atualmente – foram excelentes em diversas habilidades de sobrevivência. O Homo Sapiens é um caminhante poderoso, um corredor elegante e rápido, uma espécie perfeitamente adaptada à vida na savana. Basta ver um chimpanzé “tentando” correr e compará-lo a um humano disputando os 100 metros rasos.
Claro que não somos bons em árvores e um orangotango é um especialista nesse ambiente, mas em uma corrida, de qualquer distância, nós vencemos qualquer primata. E em longas distâncias, vencemos até mesmo outros animais, como cavalos ou guepardos (podemos correr e caminhar por distâncias que matariam um guepardo ou mesmo um leão).

“Andamos pelo mundo e povoamos mais territórios do que qualquer outra espécie”
Outra modificação significativa foi o cérebro grande, evoluído da habilidade manual primata, associada ao efeito colateral de andar em pé. Nossa visão de predador e coletor de frutas (por isso enxergamos colorido), o andar em pé e o cérebro grande, tornou-nos especialistas no ambiente pós-glaciação.
Andamos pelo mundo e povoamos mais territórios do que qualquer outra espécie. Atingimos a África, a Ásia, a Europa e até a América do Norte e do Sul. E isso, muito antes de termos uma civilização tecnológica avançada!
E os antepassados dos gorilas e chimpanzés, onde estavam nessa época? Estavam onde o ambiente havia mudado em outra direção ou onde existiam as pressões evolutivas originais, frente às quais o modo de vida arbóreo e florestal ainda era uma vantagem. Assim, eles evoluíram para adaptarem-se cada vez mais a esse ambiente já conhecido. E, como previsto pela Teoria da Evolução, se o ambiente não muda muito, as pressões seletivas e a espécie também não mudam muito. Ela se especializa.
Espero que esta breve exposição (bem, eu tentei ser breve, mas o volume de dados e informação sobre o assunto é gigantesco) tenha ajudado a esclarecer e a responder a pergunta/desafio (uma entre muitas, baseadas na falta de informação e em erros conceituais).
Não penso que a explicação acima mude a forma de pensar de quem apresenta a pergunta/desafio “por que chimpanzés não evoluíram para seres humanos”. Esta é apenas uma forma de defesa de crenças religiosas. Provavelmente, a maior parte dos que usam a pergunta/desafio apenas mudaria rapidamente de direção, levantando qualquer outra aparente contradição da Teoria da Evolução, escolhida entre as muitas que povoam a mitologia religiosa e o discurso antievolucionista. Mas, ao mostrar que existem explicações satisfatórias, podemos esclarecer aqueles que realmente desejam conhecer e entender as respostas da Ciência.
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Homero Ottoni, programador de computadores. Cursou dois anos de Medicina, quatro anos de Direito e atualmente está na faculdade de Computação.

Fonte: Bule Voador

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