domingo, 22 de maio de 2011

A imagem que não condiz

A clássica imagem ao lado é utilizada em diversas edições de A Origem das Espécies, livro em que Charles Darwin apresenta a teoria evolutiva da seleção natural como mecanismo preponderante no surgimento e evolução de novas espécies. Usado também para ilustrar aulas e apresentações em seminários temáticos sobre evoluão, essa figura, em sua essência, nos traz uma imagem errônea sobre como se procede os eventos evolutivos. Essa clássica imagem leva a maioria das pessoas a crerem que a evolução é algo “estanque” e determinísta.


Ao observarmos a figura, ela nos remete a idéia de que o caminho natural da evolução seria a transformação de macacos em humanos. Mas essa idéia é equivocada, pois não existe na seleção natural um sistema de coordenadas e instruções que sinalizam a evolução das espécies para um dado caminho. Essa idéia de que o destino na história evolutiva dos Pan troglodytes deveria ser os Homo sapiens é uma falsa premissa, baseada numa visão interpretativa carregada de soberba do argumento a posteriori. A soberba do argumento a posteriori estabelece-se ao termos uma análise de eventos históricos colocada sobre a mesa, e daí tira-se a conclusão de que toda a cadeia de eventos até o presente fosse algo determinado, planejado, preconcebido para que a vida, e, por conseguinte nós seres humanos, viéssemos habitar a Terra. Porém, aqueles que pensam dessa maneira, esquecem de levar em conta que tais cadeias de eventos (no caso em questão, os eventos evolutivos) não são determinísticos, mas estabelecidos pelo acaso. A evolução biológica não tem uma linha de descendência privilegiada, nem um fim projetado (Dawkins,2009).

Mas como o acaso pode fazer parte do processo de evolução? Ainda hoje algumas pessoas criticam a teoria evolutiva, por essa valer-se do acaso para explicar como se dá o processo de evolução. Porém, o que essas pessoas não compreendem, é que o acaso é um elemento importante e que atua em duas instâncias primordiais na seleção natural: a seleção e a eliminação (Ernst Mayr, 2005). A eliminação pode ser influenciada pela variação aleatória imposta por diversos fatores à seleção (gametogênese, mutação, aspectos aleatórios no encontro de dois gametas, eventos estocásticos naturais como terremotos, secas, inundações, eventos glaciais, vulcanismo, etc.).

De volta ao cerne da questão que propus esclarecer: se não viemos do macaco, viemos de onde?

Como argumentei anteriormente, essa idéia da descendência do Homo sapiens diretamente do chimpanzé é uma deturpação da teoria da seleção natural, um argumento muito utilizado até hoje pelos criacionistas de plantão, como uma forma de tentar jogar ao ridículo a idéia da descendência comum das espécies. Logo, o que de fato acontece, é que compartilhamos ancestrais em comum com chimpanzés ou concestral, que por sua vez, possuem concestral com os gorilas. Portanto, não podemos supor que os nossos ancestrais FORAM chimpanzés, mas sim, primatas muito semelhantes aos chimpanzés; tais espécies podem ser classificadas como espécies incipientes, termo utilizado por Darwin para designar organismos em um estágio “transitório” de especiação, mas que não poderia ser classificado como uma nova espécie ainda. Mas, uma análise tão macroscópica desses eventos evolutivos é passível de gerar alguma confusão na cabeça de quem não está tão a par da história evolutiva da humanidade.

Analisando a árvore dos nossos ancestrais mais recentes, temos na base o Australopithecus afarenses, cujo o qual  daria origem, através do processo de especiação, há quatro diferentes espécies: A. africanus, A. garhi, A. bahrelghazali e Paranthropus aethipicus. Essa figura mostra que diversas linhagens conviveram entre si durante alguns milhares de anos, o que demonstra que o processo evolutivo acaba por ser gradual, e não da noite pro dia como os criacionistas costumam deturpar. Por essa razão é que a história de que “nunca se viu um chimpanzé dar a luz a um humano” é, em termos mais atuais, uma trollagem. Numa analise descomprometida e tomando a premissa dos criacionistas, veremos que para um chimpanzé dar a luz a um humano, ele teria que no mínimo transcender por volta de 5 a 6 milhões de anos, conforme podemos observar melhor na próxima figura.

Esse gráfico nos mostra de maneira mais clara o quanto as diversas linhagens ancestrais do homem conviveram e partilharam de uma mesma época. Se repararmos teremos bem no canto esquerdo, abaixo, o Homo sapiens  e H. neanderthalensis convivendo num mesmo período. Essa convivência pode ser constatada através dos estudos moleculares que apontam genes de origem de H. neanderthalensis existentes no genoma humano, o que demonstra que poderia haver um cruzamento viável entre as linhagens. Além das evidências moleculares, temos as evidências morfológicas que contribuem para a robustes da teoria evolutiva dos humanos, como o “knucklewalking” (compartilhado entre gorilas e chimpanzés); a análise comparativa de crânios, dentes, a maturidade sexual tardia e genitália - entre chimpanzés e humanos - , e tantos outros estudos comparativos, até mesmo na área da psicologia evolutiva.

(Em um período de 500 mil anos, pelo menos cinco linhagens de hominídeos conviveram juntas)

“Uma hipótese intuitiva frequentemente elaborada sobre a evolução humana afirma que ela ocorreu 'no fim', isto é, depois que todos os outros animais 'terminaram' o seu desenvolvimento. Nos livros e nos cursos de evolução, a emergência dos hominídeos é discutida na seção final e os hominídeos quase sempre parecem ser o 'glacê' do bolo biológico. Tal suposição, porém, é errônea. Durante o período em que os hominídeos surgiram e evoluíram muitas outras espécies sofreram importantes mudanças evolutivas, assumindo sua forma atual ao mesmo tempo ou depois do aparecimento dos hominídeos” (Robert Foley, 1993 – Apenas Mais Uma Espécie Única. p. 273)

O ensino fragmentado dos conteúdos de biologia nas escolas, ainda mais no conteúdo de evolução, e o fraco preparo dos profissionais (ainda me impressiona a quantidade de acadêmicos que cursam biologia, mas nunca sequer folharam A origem das espécies ou alguma obra do gênero) são fatores preponderantes para a manutenção da idéia equivocada de que a evolução se dá de maneira determinística, planejada e salteada – como num passe de mágica. Espero que com esse texto possa ter elucidado a questão de que chimpanzés de 5-6 milhões de anos atrás não deram a luz a humanos, e nem irão dar. Eis a capa de A origem das espécies que deposito grande crédito e que faz jus a idéia e teoria que o livro contém.


Deixo aqui a dica de alguns livros que recomendo para um maior entendimento e esclarecimento sobre esse tema:

Biologia, ciência única (Ernst Mayr);
A grande história da evolução (Richard Dawkins);
Os humanos antes da humanidade – Uma perspectiva evolucionista (Robert Foley);
A origem do homem e a seleção sexual (Charles Darwin);
A origem das espécies (Charles Darwin);

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